sábado, 31 de outubro de 2009

Vermelho

Vocês já perceberam como cada cor está associada a um sentimento específico?
Hoje vou falar da cor vermelha. A cor vermelha está associada à paixão - por isso as mulheres que querem paixões tórridas em suas vidas frias usam calcinhas vermelhas durante a virada de ano (ou ao menos assim me contaram).

Porém, o vermelho me marcou de maneira diferente na vida. Ainda consigo me lembrar como se fosse ontem.
Já tinha vinte e dois anos de idade, no entanto naquele dia não consegui dormir. Não consegui comer nada, a barriga estava ruim e revirando de ansiedade. Qualquer um que pudesse apenas ler minha mente e meus sentimentos diria se tratar de um mero garoto do alto dos seus quinze anos, no máximo. Porém, acordei antes do sol, e dos passarinhos naquele dia. Acordei com a sensação de que algo grandioso iria acontecer.
Engraçado essas coisas né? A gente achar que alguma coisa vai acontecer apenas porque há uma promessa de ninguém dizendo que vai acontecer - mas você tem certeza absoluta que vai acontecer.
Pois bem, após o desjejum (ou uma tentativa frustrada de, diga-se de passagem), resolvo tomar meu rumo. Tomo um banho para me arrumar e parto na direção do ponto de ônibus mais próximo. Como é ruim não ter carro - com um carro seria muito mais simples. Poderia sair mais em cima da hora, sem nenhum risco de me atrasar. Porém, creio que a saída, o planejamento, a atenção e dedicação do ônibus não só demonstram maior valor como ajudam a ampliar a ansiedade.
Finalmente, depois de uma longa hora a caminho, chego à rodoviária. Ainda não disse, mas nesse dia eu estava indo buscar uma pessoa pela qual eu tinha muito carinho. O problema é - eu sequer já tinha visto a pessoa.
Chegando na rodoviária, confirmei que seria impossível descer para a plataforma de desembarque. Tentei utilizar uma artimanha já conhecida: troquei altas idéias e conversei com o guardinha que tomava conta do portão, para depois tentar algum argumento sem sentido que me permitisse descer para esperá-la. Foi tudo em vão - faltando quinze minutos para a (primeira) estimativa de chegada do ônibus, há a troca de turnos. Meu mais-novo-amigo-de-infancia vai para outra função, e um cara mal encarado toma conta do portão que eu preciso ultrapassar. Merda, pensei eu.
Chega a hora do ônibus. Ele se atrasa. Demora. Não chega. Vou no guichê. "Não sabemos de nenhum atraso, senhor". E haja coração para tamanha espera!
Finalmente, após vários tortuosos "O ônibus vai chegar daqui a 15 minutos senhor" o ônibus chega. Consigo perceber pois estou olhando freneticamente a televisão que mostra os carros que estão desembarcando.
A única pista que tinha: ela usaria um All-star vermelho. De repente, consigo avistá-la subindo as escadas rolantes. Por um instante, paralisei-me. Seria verdade? Se é apenas um sonho, que me acordem agora ou não me acordem nunca mais.
Bom, como não acordei, continuei paralisado. Ela foi uma das últimas de seu ônibus a sair. Penso em gritar-lhe, acenar, pagar um mico. Quando ela já está se virando para mim, penso - não, melhor assustá-la. Quando ela olha pra mim, eu estou olhando para o lado com cara de perdido. Creio que enganei, pois ela não me percebeu.
Pronto. Ela está perdida me esperando, olhando para todos os lados. Passo a seu lado como quem não quer nada, para me posicionar melhor para o bote. Ela não me reconhece. Ótimo. Me escondo atrás de uma pilastra. Tombo a cabeça levemente, apenas o suficiente para ver seu All-Star vermelho. Saio correndo como um maluco, a abraço por trás, a deito em meus braços e lhe dou um grande beijo. Nesse momento, eu imaginava apenas um selinho, um beijo simples.
Naquele exato momento quando nossos lábios se tocaram, o mundo girou. Era tudo mentira - não era a primeira vez que nos víamos. Definitivamente não. E meu mundo inteiro ficou vermelho. E leve. O peso do mundo que eu sempre havia carregado nas costas tinha se esvaído em apenas um breve roçar de seus lábios. E após o beijo, vi sua blusa vermelha passando para minhas mãos - e nós saindo de mãos dadas da rodoviária, como dois antigos namorados que se viam após um mês distantes.

Mas o que mais me marcou desse dia foi a cor - tanto o All-Star surrado, lavado-pra-mim quanto a blusa de frio eram vermelhos. E até hoje, quando vou esperá-la na rodoviária, mesmo sabendo que ela pode não vir de vermelho, sempre bate um pinguinho de esperança quando vejo alguém de vermelho subindo as escadas. Não consigo mais ver blusas vermelhas e não pensar nela, nem ver nenhum All Star vermelho sem me lembrar de como ela é deslumbrante em cada momento de sua existência.

É engraçado - é como se emoções fossem iguais à luz. Elas não só nos dão ânimo de viver como também servem para gravar os momentos no grande rolo de filme que se chama memória. A minha gravação foi feita toda em vermelho. E após essa gravação, da qual nunca vou me esquecer, posso confirmar:

A cor da paixão REALMENTE é o vermelho. Espero que as pessoas que criaram esta convenção tenham tido tanta sorte quanto eu, e que tenham sido tão felizes quanto eu. Para as pessoas que usam vermelho sem acreditar ser a cor da paixão, boa sorte. Quem sabe um dia vocês não encontram aquela pessoa que te fará lembrar que vermelho é a cor que vai conseguir mudar sua vida na direção de um relacionamento perfeito.

E, quando tudo está ruim, eu apenas pego a fita - vermelha - com seu cheiro, e então tudo fica mais tranqüilo.

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